O tempo que vai passando, leva-nos para outra idade.

Domingo, 11 de Janeiro de 2009

Falar de nós é muito complicado. Vamos falando de tudo e, muitas vezes, não falando de nada. Estamos atentos ao que nos rodeia, aos acontecimentos nacionais, aos internacionais, prendemo-nos às notícias que nos põem dentro de casa, mas vamo-nos adiando como notícia guardando e muito a nossa intimidade porque não fomos habituados a deixar transparecer os sentimentos de forma espontânea. Antes de qualquer atitude social reflectimos o nosso comportamento e cerceamo-nos à medida daquilo que entendemos como aceitável.

Há dias, um investigador de uma universidade portuguesa concluiu que os portugueses riem pouco, mesmo muito pouco. A opinião pública adiantou-se a definir razões e penso que ninguém referiu o fechamento social em que, cada vez mais, mergulhamos. Claro que não aspiramos a ser coloridos como os brasileiros ou intensos como os italianos, mas nós temos enraizadas tradições e músicas sobejamente arejadas para não querermos apenas puxar o lado fatalista que herdámos da batalha de Alcácer Quibir.

Inspirando-me um pouquinho na minha fraca formação sociológica, fui captando os rostos e os comportamentos e, mesmo sem qualquer instrução nessa área bastando-nos sermos mais observadores, reparamos que, todos os comportamentos um pouco mais fogosos são repreendidos. Uma boa gargalhada põe os circundantes a olhar, um chamamento mais caloroso atrai miradas importunadas, um simples choro a pulmões de uma criança irrita os passeantes.

“Muito riso, pouco siso” , assim diz o ditado e, talvez por isso, acreditamos que assim seja.

Mas essa forma de encarar a vida não nos transporta para uma melhor qualidade de viver. Andamos demasiado cinzentos, talvez porque o bom humor deixou de pertencer ao catálogo dos atributos humanos.

Esta penumbra que nos envolve, condiciona-nos e isola-nos. Por isso, já não sabemos falar de nós ou não achamos bem falar de nós. E quanto menos falamos de nós, menos estamos connosco mesmos e mais nos afastamos do que realmente somos.

 

 

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publicado por outraidade às 15:43

De Transdisciplinar a 12 de Janeiro de 2009 às 00:06
É, falar de nós é muito complicado, E a cultura portuguesa (no sentido de sócio-cultura ) não ajuda nada nesse sentido...Alguma literatura já vai por essa via (estou, por exemplo a pensar no meu recentemente falecido amigo António Alçada Baptista).
E não podemos esquecer o número crescente de pessoas que passam por uma experiência psicanalisante (psicanálise ortodoxa ou psicoterapias mesmo breves) e que ganham experiência em pensar em si e em falarem de si. Podem depois não querer falar de si. Mas isso tem mais que ver com escolhas comunicacionais. E há o problema dos interlocultores . Quantas pessoas não gostariam de falar de si mas não têm ninguém à altura com quem o fazer ?
Desculpe-me este escasso comentário. Hoje estou doente (e só tenho médico na terça-feira) e o seu post -- muito interessante -- desafia-me triplamente : como pessoa, como sociólogo e como alguém que tem experiência psicanalítica. Talvez venha a dedicar-lhe um post .

De outraidade a 12 de Janeiro de 2009 às 18:16
Obrigada pelo seu comentário e as suas rápidas melhoras. Seria muito interessante que nos falasse desta temática sob uma perspectiva científica e humana. Eu gostaria mesmo e, muito provavelmente, todos os "amigos" que o lêem.

De Transdisciplinar a 13 de Janeiro de 2009 às 05:10
Muito obrigado pelo seu encorajamento. Resta saber se o assunto é abordável com algum rigor num simples post.
Mas vou pensar nisso e depois logo se verá.

De Ventania a 14 de Janeiro de 2009 às 21:32
Não falar de nós próprios será possivelmente uma fuga à nossa identidade, um recuo, por medo de achar num reflexo o que é tão mais fácil criticar nos outros.

Por mim, sustento a tese do "rir é o melhor remédio", mesmo que seja para não chorar. Sempre faz rugas mais bonitas. =)

De outraidade a 14 de Janeiro de 2009 às 22:00
E é bom dar algum significado às rugas, mesmo que nem sempre nos deixem uma imagem de encanto.

De Do fundo de mim a 25 de Janeiro de 2009 às 01:38
Mesmo não falando de nós, as palavras que aqui vais deixando são o espelho da riqueza que vai em ti. Mesmo que não rias transbordas sorriso, mesmo que não chores transbordas bondade e mesmo o teu silêncio está cheio de sentido.
Eu vou mirando o reflexo da tua sombra à procura da frescura das tuas palavras.

De outraidade a 26 de Janeiro de 2009 às 14:18
Sempre sensível, sempre atento, sempre amigo. Obrigada.


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