Fado em dó que sobe de tom em pautas que não são reais. As cordas duma guitarra que teimam em desafinar, comprimidas em gemidos que nos cansam de as ouvir, deixando que os olhos fechados envoltos em burburinho abafem a voz já rouca, doída por tanto cantar.
Sente-se nos ossos um frio gelando o próprio sangue, esvaído num sustenido que mais parecia um grito, aveludado em falsete que quase se desmancha em pranto, tapado por um véu preto que foi atirado ao mar, num recanto da memória pendurada num cordel velava o tempo perdido como instrumento de um tom.
E o tom era negro, negro, era mais fundo que um ai, como se naquele fado e já na estrofe final, um outro manto tapasse o rosto de não cantar, deixando a quem ouvia a angústia do engano, a agonia de um embalo bastando de tanto contar.
O povo da simplicidade que foi feito para chorar, deixava confiar aos outros mais que a sua piedade, escusando-se a um fado que fora morrer sem medo, porque mais do que o destino era a guitarra a trinar que não deixava rimar tantos sonetos perfeitos, deixando-os emaranhados nas redes de um pescador que no seu peito de dor endurecido pelo mar, via mais longe este fado que ninguém queria cantar.
Perdeu-se um pouco da história por rumos de outros pecados, temendo-se que, no final, o tocador da guitarra já a soubesse afinar. Mas outro canto viria, não em fado nem em dó, num canto de um tom só.