O tempo que vai passando, leva-nos para outra idade.

Sexta-feira, 24 de Agosto de 2007

Fado em dó que sobe de tom em pautas que não são reais. As cordas duma guitarra que teimam em desafinar, comprimidas em gemidos que nos cansam de as ouvir, deixando que os olhos fechados envoltos em burburinho abafem a voz já rouca, doída por tanto cantar.

Sente-se nos ossos um frio gelando o próprio sangue, esvaído num sustenido que mais parecia um grito, aveludado em falsete que quase se desmancha em pranto, tapado por um véu preto que foi atirado ao mar, num recanto da memória pendurada num cordel velava o tempo perdido como instrumento de um tom.

E o tom era negro, negro, era mais fundo que um ai, como se naquele fado e já na estrofe final, um outro manto tapasse o rosto de não cantar, deixando a quem ouvia a angústia do engano, a agonia de  um embalo bastando de tanto contar.

O povo da simplicidade que foi feito para chorar, deixava confiar aos outros mais que a sua piedade, escusando-se a um fado que fora morrer sem medo, porque mais do que o destino era a guitarra a trinar que não deixava rimar tantos sonetos perfeitos, deixando-os emaranhados nas redes de um pescador que no seu peito de dor endurecido pelo mar, via mais longe este fado que ninguém queria cantar.

Perdeu-se um pouco da história por rumos de outros pecados, temendo-se que, no final, o tocador da guitarra já a soubesse afinar. Mas outro canto viria, não em fado nem em dó, num canto de um tom só.

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publicado por outraidade às 10:07

Sexta-feira, 10 de Agosto de 2007

O bruá dos últimos dias remete-me para a sensação de que ainda não demos o salto para as actuais sociabilidades. Os jornais falam, a televisão faz do assunto o “Harry Potter” do momento, os rumores estendem-se, os boatos viram certezas e, cada um, analisa com mais ou menos coração a posição dos pais de Maddie.

A policia remete-se ao silêncio oficial que não ao oficioso e, naturalmente, a imprensa assenta as suas deduções “em fonte policial”, em “fonte próxima da investigação”, em alguém que não sabemos quem é mas é. Num dos meus escritos sobre este tema discordei com alguma da inicial “exibição” da PJ aos media. O que é facto é que, nessa altura, foram feitas afirmações frente às objectivas televisivas e, apesar dos ímpetos contra os quais nada há a fazer, neste momento por diversas razões, dever-se-ia voltar a enfrentar as câmaras da televisão. A salvaguarda das investigações, do segredo de justiça, do bom nome de quem quer que seja, é tão importante agora como no início; as suspeitas são suspeitas não são certezas e, erradamente, no início deram-se certezas.

Afinal temos todos que aprender como sociedade, ou seja, que nem tudo o que parece é, sobretudo neste campo da investigação criminal que, uma simples areia pode ser a resposta procurada ou fazer gripar a engrenagem.

Acredito que para os pais Mccan este percurso estará a ser doloroso e isto recaindo ou não recaindo sobre eles qualquer suspeita.

Há, de facto, pormenores que ainda estão mal explicados ou mal transmitidos pela imprensa mas volto a frisar (como já o fiz noutro post) que não era à policia que cabia o acompanhamento destes pais, era a especialistas das ciências humanas distanciados da investigação, porque para todas as partes tinha sido mais seguro e mais saudável.

E sobre isto…ainda a procissão vai no adro se é que consegue por o santo no altar.

 

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publicado por outraidade às 09:55

Sábado, 19 de Maio de 2007

Nenhum português põe em causa que tem a melhor polícia do mundo. Bem do nosso feitio, deixamo-nos envolver pelas emoções, mesmo quando elas dizem respeito a outros povos do mundo. Somos, sem dúvida, temperamentais uma mais valia mediterrânica que, não raras vezes, nos atraiçoa. Deixámos para trás a aprendizagem de beber chá como os asiáticos e optámos pelo café cuja sedução  condizia melhor com a nossa raça de aromas.

Este nosso sangue mesclado leva-nos a alguns comportamentos que mais não são que a consequência pragmática de, como dizia Moita Flores nos “prós e contras” da passada segunda feira, “quem não sabe teoriza”. Naturalmente, sem teorias nunca se teria chegado à ciência mas, verdade se diga, foram os exageros em teorias que vieram a demonstrar, ao longo da história dos povos, que nem todos os teóricos são cientistas. E, que me desculpem os mais patrióticos, a nossa classe “erudita” tem alguma tendência demasiado acentuada para teorizar. Ultimamente a menina inglesa tem sido motivo para espraiar considerações estouvadas o que, não abona nada a nosso favor como País.

Já bastam outros para fazer tristes figuras, mas esses dizem ter aprendido a beber chá, o que me levanta algumas incertezas.

As entrevistas, conferências de imprensa, imediatismo (para não dizer amadorismo) de alguns “media” a nível mundial espantam-nos, apesar de sermos este povo aqui no canto, com os olhos virados para o mar e uma alma cheia de esperança que nos suporta há longos anos.

Qualquer pessoa alheia a este acontecimento põe naturalmente uma série de interrogações, o que é natural, já que somos seres pensantes, as quais eu declino colocar neste momento para não machucar quem quer que seja. E estou certa que quem está a fazer as investigações deste caso também já as colocou. Mas isso são outros enredos, outros limiares que virão a seu tempo.

Mas há um parapeito no qual eu não posso deixar de por o meu manjerico, mais precisamente, as conferências de imprensa a que a PJ se tem submetido. A investigação é feita por investigadores, por operacionais que sabem e fazem aquilo para que estão preparados, mas esses mesmos operacionais não são, não deviam ser a ligação com a imprensa por várias razões:

- nenhum operacional tem preparação para dar conferências de imprensa e não chega a vontade, o jeito, umas luzes para, de um dia para o outro, passar a ser o porta-voz da PJ;

-  não se compromete o rosto de um operacional numa situação destas que, já foi apelidado de tudo desde agente, a chefe, a director de departamento e que poderá ser coroado com louros se o caso tiver um desfecho positivo mas o contrário também é verdadeiro;

-  em Portugal fala-se português e é essa a língua para qualquer comunicação como acontece, aliás, em qualquer outro País do mundo. Os jornalistas estrangeiros se não entendem servem-se de tradutores;

-   ou há segredo de justiça e assuma-se isso totalmente (de acordo com a lei vingente) ou não há, meios termos, conforme os casos, é que não são opção;

-  o Inspector-Chefe Olegário Sousa, cada vez que aparece, é o homem deitado às feras. Aplauda-se o esforço que denota, a habilidade com que se vai safando, mas caberia (não a ele é claro) mas a quem tem poder de decisão, pensar como está a expor aquela instituição.

Mas voltando ao nosso engenho e arte, um dia, esperemos, as coisas serão diferentes.

 

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publicado por outraidade às 14:50

Quinta-feira, 10 de Maio de 2007

Na última semana todos somos entendidos, sabedores, especialistas do caso Madeleine que, naturalmente, não nos pode deixar indiferentes.

Os “peritos” aparecem, vindos dos sete cantos do mundo, avançam hipóteses, traçam profecias, delineiam estratégias, como se já não bastassem os experimentados jornalistas que acorrem ao local, demarcando a cena do crime, conjecturando mais de um milhão de possibilidades, mascando opiniões deste e daquele que encontram pelo caminho, tecendo críticas à falta de informação, avançando mesmo possíveis escapatórias que o autor do crime tem à mão.

E lá reaparecem os especialistas que vão amassando as suas ideias neste e naquele veículo da imprensa e maçando os nossos ouvidos num frenesim tal que quase parece uma corrida à melhor. Melhor qualquer coisa que não sei bem o quê.

Facto é que Madeleine, a menina de três anos inglesa de férias no Algarve desapareceu. Tudo o resto são lérias, palavreado que não “aquenta nem arrefenta”.

A policia portuguesa investiga e, naturalmente, prestará esclarecimentos aos pais da criança.  Esclarecimentos que deveriam ser filtrados por psicólogos competentes porque a policia não é especializada nesse tipo de papel. A forma como se fala, o que se diz, a elaboração das questões a estes pais deveria ser cuidada por uma equipa multidisciplinar, tanto para não magoar, como para não dar perspectivas erróneas, ou mesmo não passar informações que possam prejudicar determinados caminhos da investigação.

Em Inglaterra o FBI dá todas as informações à imprensa? Essa é novidade para qualquer cidadão do mundo.

Os pais de Madeleine actuaram com negligência? Isso é um assunto para depois.

Esquecemo-nos todos que os criminosos também ouvem as notícias, lêem os jornais e, naturalmente, todos os pormenores publicados são-lhes preciosos para o passo seguinte estando, para além do mais, a actuar em vantagem.

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publicado por outraidade às 14:35

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