O tempo que vai passando, leva-nos para outra idade.

Terça-feira, 10 de Fevereiro de 2009

Acordei. Pela primeira vez em muitos anos, os montes estavam cobertos de neve, mesmo de fronte ás minhas janelas! Romântico, bucólico, poético.

A máquina fotográfica, claro, para um dia mostrar ao meu neto. Não é todos os anos que acontece.

As pilhas estavam descarregadas, todas as pilhas num total de oito. Inacreditável! Ponho as pilhas a carregar, só que dê para tirar uma fotografia…

Volto à janela, que paisagem!

As pilhas, nada, não recebiam carga. Ponho o segundo par no carregador.

O nevoeiro já tinha descido. Começa a chover e receio que se esbata aquela deslumbrante imagem que me acordara de manhã.

As nuvens passam, a chuva pára, o nevoeiro vai-se dissipando, abrem uns raios de sol que me deixam vislumbrar a linha de neve traçada a régua no meio da montanha. Ora, já bem menos porque a chuva a derretera.

Corro para a máquina, as pilhas já carregaram um pouco, uma fotografia sai. A máquina não liga, as pilhas não receberam carga porque o eficaz carregador não estava a fazer bom contacto.

Através da janela pularam-me os olhos para os montes. O nevoeiro já descia novamente em direcção ao rio, as nuvens carregadas cobriram o meu horizonte e voltou a chover intensamente. Fechei os olhos e reconstituí aquela primeira imagem que me deu tanta felicidade pela manhã.

Ouvia-se a chuva que estalava nas velhas telhas do sobrado. O caminho já era um ribeiro em direcção ao silvado.

A chuva a pouco e pouco foi abrandando. O nevoeiro esfarrapava-se nas costas do monte fintando-me os olhos nuns restos de neve que ainda não ficara derretida.

Ouvi a notícia da morte de Eluana. Deixei-me ficar presa na lonjura do pensamento que conseguia atravessar todos os montes que me rodeavam.

Aquela paisagem era apenas a subtileza dum momento tão profundo que mergulhava na saudade.

 

publicado por outraidade às 16:46

Segunda-feira, 15 de Setembro de 2008

Lia eu “há tempo para tudo, sim. Sobretudo para sentir que não há tempo para nada. O tempo escorrega. O tempo não existe.” ( na revista Plenitude, artigo de Pedro Chagas Freitas).

E fiquei a pensar o que faço ao meu tempo ou o que deixo que ele me faça a mim.

Fico sem tempo quando tenho tanto tempo, não sei se passo pelo tempo ou se é ele que passa por mim.

A minha eterna luta contra o tempo que está perdida desde o dia em que nasci.

A noção de que preciso de mais tempo, de que desperdiço o tempo.

O medo de não chegar a tempo.

Há quanto tempo me não desligo do tempo…

Porque sinto falta de tempo?

Não perco tempo, não ganho tempo, não escolho o tempo, não sei em que tempo vou ter tempo.

 

publicado por outraidade às 12:43

Segunda-feira, 11 de Agosto de 2008

A informação “espectacular” (com imagens e tudo) fazia-me saltar no sofá onde me instalara cada vez que voltavam aos directos. À possibilidade da morte de alguém nem a minha educação de influência militarista conseguia enfrentar com a naturalidade necessária para não me deixar perturbar. Engasgava-me só de verbalizar “felizmente poderá ser o assaltante”, como sentia repulsa na  possibilidade de ouvir “infelizmente foi o refém”. A minha respiração tornou-se mais profunda num misto de alívio e de pesar.

O “dever de informação” ecoou-me mais uma vez na mente como algo contraditório sentindo que os direitos se atropelam quando nos consideramos do lado da razão.

É cómodo posicionarmo-nos de fora, sobretudo engendrar alternativas àquilo que não dominamos.

Defrontava-me com esta modernidade que se agradara do paliativo da fatalidade, encontrando nela uma relação multifacetada dos factos da nossa história recente e longínqua, a parca evolução da génese da natureza humana na qual os avanços da ciência e da técnica são estreitos para interferir nos circuitos integrados que nos proporcionam a vida.

A publicitação dos rostos sem o mínimo preconceito ou pudor, confinava a minha imbecilidade ao deixar-me agarrar ao sofá, embarcando em nome do “direito à informação”, onde o meu direito chegava ao limite de poder assistir a execuções em directo.

Não fui capaz de comandar a minha liberdade.

Nos rostos estava sofrimento de vida, o avizinhamento do termo daquele horrível jogo, a efemeridade de alguns momentos de glória ou a esperança grosseira que nem sei se tiveram tempo para acreditar.

Eu não preciso de saber quem deu ordens para matar.

 

 

publicado por outraidade às 21:23

Quarta-feira, 25 de Junho de 2008

 

De quando em vez dou comigo a tentar pensar em coisas mirabolantes para poder escrever sobre elas. Coisas que interessem aos outros, que lhes despertem outros sentimentos, que lhes afiem a curiosidade. Mas tudo parece tão prosaico, tão insignificante. Afinal nada se passa na minha vida de tão peculiar.

Mas, para variar, vou falar dos meus vizinhos.

Sim, de uns vizinhos muito especiais que aproveitaram o ninho deixado debaixo do alpendre desde o ano passado por outros locatários, limitando-se a particularizá-lo com algumas penas fofas que lhe enfeitam as bordas e, numa azáfama alvoraçante, passaram todo o fim de semana em voos rasantes, deixando-me na dúvida da evolução daquele enamoramento.

Os humanos que aparecem por ali causam-lhe estranheza. Nisso diferem bastante dos inquilinos do ano anterior que pouco ou nada se importavam com essa gente. Os receios obrigam-nos a movimentos incessantes de que não desistem, como suplicando “por favor saiam daí” e, em códigos que trocam entre si, soltam pios de sonoridades diferentes, agitando o meu prazer nas espreitadelas que lanço por entre as frestas das janelas, inebriada naqueles desvarios de harmonia, enredando-me na bisbilhotice daqueles dois seres que me dão lições de persistência e despejam nos meus silêncios algumas gotas de alegria.

Afinal sempre vamos ter mais herdeiros?!

No ano passado, um dos pequenotes era muito mandrião. A mãe dava-lhe lições de voo mas ele enfronhava-se no ninho preferindo esperar por umas migalhitas. A insistência aventurou-o a duas saídas que cessavam no parapeito da janela onde soltava frenéticos chamamentos que não comoviam ninguém. Um dia, lá se fez ao voo quando percebeu que a mãe não voltava, apesar de estar à sua espera numa árvore do fundo do quintal.

 

 

publicado por outraidade às 18:15

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